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Integração Comunitária

 

O desafio da saúde mental comunitária no presente é o do desenvolvimento de paradigmas que ajudem a sociedade a criar alternativas viáveis para os que não fazem parte da maioria, permitindo-lhes o mesmo acesso a recursos – instrumentais e expressivos – para que possam viver com dignidade apesar de serem, de algum modo, diferentes.

 

Assim, pode-se identificar dois obstáculos principais ao ajustamento comunitário das pessoas com problemáticas mentais ou outro tipo de desvantagem. O primeiro obstáculo é a segregação promovida por alguns serviços em relação a estas pessoas, rodeando-as de profissionais e pessoas em igual condição, não favorecendo as ligações com familiares, amigos e com a comunidade em geral. O resultado deste processo é que, mesmo estando presentes na comunidade, as pessoas podem continuar a viver em ambientes segregados e a trabalhar em espaços especializados. Uma segunda barreira, é o facto de os utilizadores dos serviços serem considerados como clientes ou utentes dos vários programas, implicando tal estatuto, na maioria das vezes, um processo passivo e de dependência em relação aos profissionais especializados e outros prestadores de serviço. Este tipo de isolamento social tem como consequência os próprios profissionais não acreditarem nas possibilidades de autonomia das pessoas a quem prestam serviços.

 

Para se poder ultrapassar este circuito fechado de reabilitação, é necessário proceder à reconversão de alguns dos programas existentes, no sentido de se conseguir uma relação entre a participação das pessoas já que estão na comunidade e o envolvimento desta última na implementação dos programas de suporte, pois a desinstitucionalização acompanhada pela criação de novas estruturas, sem uma estratégia eficaz de integração, pode considerar-se como tendo sido uma fase necessária, mas o retorno e a participação efetivas de todos os grupos excluídos deverá ser o passo seguinte.

 

Ajustamento comunitário

Os trabalhos de Taylor et al., sobre as questões do ajustamento comunitário, permitiram a estruturação de um conjunto de princípios que são úteis para a compreensão da ideia de ajustamento e integração social. Foram identificados seis princípios cruciais para o sucesso das intervenções no domínio do ajustamento comunitário.

Assim:

  • Todas as pessoas, independentemente das suas diferenças, têm o direito de pertencer a uma comunidade;

  • As pessoas diferentes podem integrar-se em contextos de vizinhança, em contextos profissionais e sociais e a nível global na comunidade;

  • O suporte é um ingrediente necessário para todas as pessoas e o apoio necessário deverá ser proporcionado no contexto natural, em vez de ser fornecido em espaços desenhados especificamente para uma dada população;

  • O desenvolvimento de relações entre pessoas com ou sem desvantagem deverá ser um objetivo crucial;

  • As pessoas com e sem desvantagem podem aprender umas com as outras;

  • Os utilizadores de serviços para pessoas diferentes devem ser envolvidos no planeamento, funcionamento e manutenção dos serviços e devem ter poder de decisão em relação ao que lhes diz respeito e à instituição prestadora de serviços

 

O ajustamento comunitário, segundo Reidy, pode ser definido como uma estratégia para proporcionar às pessoas com problemáticas de integração social a oportunidade de participar em todos os aspetos da vida em comunidade. O ajustamento comunitário envolve assim três elementos principais: 1) o acesso a papéis sociais valorizados; 2) a oportunidade de participar em atividades sociais enriquecedoras; e 3) a possibilidade de se desenvolverem relações sociais diversificadas.

 

O desenvolvimento de ligações e relações sociais das pessoas em situação de desvantagem com os outros membros da comunidade é um processo determinante para o sucesso do ajustamento comunitário e da integração e participação social. Para atingir este objetivo, é necessário alterar o funcionamento dos programas e as práticas profissionais, de modo a que estes contribuam, de forma eficaz, para a descoberta do papel das ligações sociais no percurso de vida das pessoas. Segundo Luftiyya, um sistema de prestação de serviços, para ser eficaz, deve promover:

  • A oportunidade de desenvolver relações sociais;

  • O aumento da diversidade das ligações sociais;

  • O fomento da continuidade das relações sociais;

  • A existência de relações íntimas.

 

Os serviços de suporte passam assim a ser estruturados para aumentar os sistemas naturais de apoio, tais como os amigos, os empregadores, os colegas de trabalho, os senhorios, os vizinhos, os professores, etc e quando surgirem situações de crise, todos os esforços deverão ser, não só direcionados para o apoio individualizado, mas também para a recuperação e fortalecimento da rede social, para a tornar progressivamente mais capacitada na resolução de crises com o mínimo de intervenção profissional possível.

 

A emergência da ideia de Recovery

Durante muitos anos, a visão dominante sobre os problemas de saúde mental foi marcada por um círculo vicioso e crónico de perda e deterioração, considerando-se como altamente incomum a possibilidade de as pessoas com uma experiencia de doença mental recuperarem e readquirirem a sua autodeterminação, autonomia e participação plena na vida em sociedade. O conceito de recovery emergiu na década de 80, através dos escritos e publicações de pessoas com experiência de doença mental, especialmente no que respeita à forma como aprenderam a lidar e a gerir os seus sintomas, como conseguiram recuperar a boa saúde mental e adquirir um novo sentido de identidade, autodeterminação e participação comunitária.

Não é ainda possível estabelecer uma definição consensual de recovery, nem tão pouco um padrão mensurável, mas a mensagem central que surge do debate acerca desta temática complexa é de esperança e de possibilidade de uma vida significativa e renovada.

Algumas definições:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Apesar da diversidade de perspetivas é possível identificar dimensões comuns e elementos-chave nos processos de recovery. Em primeiro lugar, o recovery é geralmente descrito não como um resultado estático, mas antes como uma viagem, um caminho ou um processo. O recovery é um processo evolutivo, iniciado com pequenos passos concretos, mas o seu percurso não é linear, sendo que os momentos difíceis e os eventuais retrocessos são considerados como parte do percurso. Por outro lado, em vez de se focalizar na remissão dos sintomas, o recovery surge como uma perspetiva holística, focalizada no bem-estar global, na autodeterminação, na participação social e no exercício da cidadania.

 

Como fatores facilitadores dos processos de recovery podem identificar-se elementos de natureza mais pessoal, como a esperança e a determinação individual para com o processo de mudança, e a adoção de estilos de vida mais saudáveis, e fatores sociais, como o acesso aos recursos da comunidade e às redes de suporte social bem como as oportunidades de escolha e tomada de decisão.

 

O empowerment tem um papel fundamental na facilitação e promoção do recovery. O empowerment implica que as pessoas tenham acesso à informação e a um vasto leque de escolhas e opções significativas, tenham oportunidades efetivas para tomar decisões sobre o seu próprio caminho para o recovery, estabeleçam os seus objetivos, aprendam estratégias para os atingir, bem como tenham acesso aos recursos para implementar essas escolhas. Ahern e Fisher definem o recovery como um processo de fortalecimento pessoal que ocorre através do controlo das pessoas sobre as decisões importantes que afetam a sua vida, duma maior participação comunitária e da (re)aquisição de papéis sociais significativos ao nível do emprego, da educação ou da família.

 

 

Stocks

 

«O recovery é um processo constante de crescimento, descoberta e mudança.»

Deegan

 

Recovery como “um processo, uma forma de vida, uma atitude ou mesmo uma forma de abordar os desafios diários. Não é um processo linear; às vezes o nosso caminho é errático… mas podemos sempre reorganizar-nos e começar de novo. A prioridade é desafiar os problemas e estabelecer de novo um sentido renovado de integridade e propósito na vida, dentro e para além dos limites da doença. A nossa aspiração é viver, trabalhar e amar numa comunidade para a qual podemos contribuir de forma significativa.”

Ornelas, J. (2008). Integração Comunitária. Em J. Ornelas, Psicologia Comunitária (pp. 106-116). Lisboa: Fim de Século.

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